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quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

A POETISA POTIGUAR AUTA DE SOUZA









AUTA DE SOUZA
(1876 — 1901)


Nasceu em Macaíba, em 12 de setembro de 1876, na rua do Comércio. A cidade era o principal centro político do Rio Grande do Norte naquela época. Órfã de pai e mãe já com pouca idade, cresceu em internato. Tuberculosa desde os quatorze anos, terminou seus estudos antes de retirar-se para o sertão, buscando melhores ares. Em 7 de fevereiro de 1901, sobrevém a morte, em Natal.

Por volta de 1882, informa Ana Laudelina Ferreira Gomes, professora do Departamento de Ciências Sociais da UFRN, que “Auta foi matriculada no Colégio São Vicente de Paulo, no Recife. Colégio católico orientado pela congregação francesa vicentina, que recebia tanto filhas de famílias ilustres da sociedade pernambucana, como meninas órfãs. Não há registros sobre a condição em que Auta de Souza teria estudado lá. A educação que a menina recebeu nesse Colégio tem sido constantemente aludida por comentadores seus como um aspecto especialmente enaltecedor em sua formação intelectual. ”.

O autor do perfil de Auta de Souza publicado na página virtual de sua cidade natal diz que a poesia lírica desta autora se deve à paixão por um jovem promotor paraibano. O romance teria sido vetado pelos irmãos mais velhos, preocupados com os reflexos destas emoções sobre a sua saúde. O rapaz foi transferido da região e em seguida faleceu. Mais um para o álbum mortuário de Auta de Souza, já que a doença e o falecimento de muitos parentes e amigos deram à sua poesia a tônica da morte. Nos intervalos de saúde, Auta colaborou em diversos jornais e revistas do Nordeste e até do sul do país. Há registro de poemas seus em várias publicações femininas, como: A Mensageira de São Paulo, O Lírio de Recife, etc. Em Natal, há colaboração sua em quase toda imprensa da época; Revista Oásis, Revista do Rio Grande do Norte, Jornais S Tribuna e Oito de Setembro etc.

BibliografiaHorto, primeira edição em 1900, Tipografia d’ República, Biblioteca do Grêmio Polimático, Natal, com prefácio de Olavo Bilac; segunda edição, ampliada, Aillaud Alves Cia, Paris, 1910; terceira edição em 1936, Tipografia Batista de Souza, Rio de Janeiro, com prefácio de Alceu Amoroso Lima; 4ª edição, Fundação José Augusto, Natal, 1970; 5ª edição, Sociedade de Divulgação Espírita Auta de Souza/Editora Auta de Souza, Taguatinga/DF, 2000.

Página preparada por Salomão de Sousa.


TEXTOS EM PORTUGUÊS  /  TEXTOS EN ESPAÑOL


CAMINHO DO SERTÃO

A meu irmão João Cancio

Tão longe a casa!... Nem siquer alcanço
Vêl-a, atravéz da matta. Nos caminhos,
A sombra desce... E, sem achar descanço,
Vamos, nós dois, meu pobre irmão, sosinhos!

E' noite, já! Como, em feliz remanso,
Dormem as aves nos pequenos ninhos...
Vamos mais devagar... de manso e manso,
Para não assustar os passarinhos.

Brilham estrellas... Todo o céo parece
Rezar de joelhos a chorosa prece,
Que a Noite ensina ao desespero e à dôr...

Ao longe, a Lua vem dourando a treva,
Thuribulo immenso, para Deus eleva
O incenso agreste da jurema em flor.  


HORTO

 “ Oro de joelhos, Senhor, na terra
Purificada pelo teu pranto ...
Minh’alma triste que a dor aterra
Beija os teus passos, Cordeiro Santo! 

Eu tenho medo de tanto horror ... 
Reza comigo, doce Senhor! 
Que noite negra, cheia de sombras. 
Não foi a noite que aqui passaste? 

Ó noite imensa ... porque me assombras.
Tu que nas trevas me sepultaste? 
Jesus amado, reza comigo ... 
Afasta a noite, divino amigo! ” 

Eu disse ... e as sombras se dissiparam. 
Jesus descia sobre o meu Horto ...
Estrelas lindas no céu brilharam,
Voltou-me o riso, já quase morto. 

E a sua boca falou tão doce, 
Como se a corda de um’harpa fosse: 
“Filha adorava que o teu gemido  
Ergueste n’asa de uma oração, 

Na treva escura sempre envolvido,
Por que soluça teu coração? 
Levanta os olhos para o meu rosto,  
Que a vista d’ele foge o desgosto.
  
Não tenhas medo do sofrimento,  
Ele é a escada do paraíso ...
Contempla os astros do firmamento,
Doces reflexos de meu sorriso. 

Não pensa em dores nem canta magoas,  
A garça nívea fitando as águas. 
Sigo-te os passos por toda parte,  
Vivo contigo como um irmão. 

Acaso posso desamparar-te
quando me trazes no coração? 
Nas oliveiras nos mesmos Horto, 
Enquanto orares, terás conforto. 

Olha as estrelas ... no céu escuro 
Parecem sonhos amortalhados ... 
Assim, nas trevas do mundo impuro,  
Brilham as almas dos desolados. 

Mesmo das noites a mais sombria  
Sempre conduz-nos á luz do dia.” 
Ergui os olhos para o céu lindo: 
Vi-o boiando num mar de luz ...
 
E, então, minh’alma, n’um gozo infindo,
Chorando e rindo, disse a Jesus: 
“Guia o meu passo, nos bons caminhos, 
Na longa estrada cheia de espinhos.

Dá-me nas noites, negras de dores, 
Uma cruz santa para adorar,
E em dias claros, cheios de flores,
Uma criança para beijar.

Junta os meus sonhos, no azul dispersos, 
Desce os teus olhos sobre os meus versos ...    
E vós, amigos tão carinhosos, 
Irmãos queridos que me adorais 

E nos espinhos tão dolorosos
De minha estrada também pisais ... 
Velai comigo. longe da luz, 
Que já levantam a minha cruz. 

A hora triste já vem chegando
De nossa longa separação ...
Que lança aguda vai traspassando
De lado a lado meu coração! 

Não adormeçam, meus bem amados, 
Já vejo os cravos ensangüentados. 
Longe, bem longe, naquele monte, 
Não brilha um astro de luz divina ? 

É o diadema da minha fronte,
É a esperança que me ilumina! 
A cruz bendita, que aterra o vício, 
Fogueira ardente do sacrifício. 

Adeus, da vida sagrados laços ... 
Adeus, ó lírios de meu sacrário!
A cruz, no monte, mostra-me os braços ...
Eu vou subindo para o calvário. 

Ficai no vale, pobres irmãos, 
Da. vovozinha beijando as mãos. 
E, se ela, inquieta, com a voz tremente, 
Ouvindo as aves pela manhã, 

Interrogar-vos ansiosamente:
“Que é do sorriso de vossa irmã?” 
Dizei, alegres: foi passear ... 
Foi colher flores para o altar.” 

E, quando a tarde vier deixando 
Nos lábios todos saudosos ais,
E a pobre santa falar chorando:
“A minha neta não volta mais?”

Dizei, sem prantos: “A tarde é linda ... 
Anda nos campos, brincando ainda.” 
Livrai su’alma do frio açoite 
Das  ventanias que traz o inverno ...
 
Cerrai-lhe os olhos na grande noite,
Na noite imensa do sono eterno. 
Anjo da guarda, de rosto ameno, 
Mostra-me o trilho do Nazareno ...
..................................................
E ... adeus, ó lírios, do meu sacrário,
Que eu vou subindo para o calvário!



NEVER MORE
                                                 A uma falsa amiga
I
Não te perdôo, não, meu tristes olhos
Não mais hei de fitar nos teus, sorrindo:
Jamais minh’alma sobre um mar de escolhos
Há de chamar por ti no anseio infindo.
 
Jamais, jamais, nos delicados folhos
Do coração como n’um ramo lindo,
Há de cantar teu nome entre os abrolhos
A ária gentil de meu sonhar já findo.
 
Não te perdôo, não! E em tardes claras,
Cheias de sonhos e delícias raras,
Quando eu passar à hora do Sol posto:
 
Não rias para mim que sofro e penso,
Deixa-me só neste deserto imenso...
Ah! se eu pudesse nunca ver teu rosto!
 
II
 
Ah! se eu pudesse nunca ver teu rosto!
E nem sequer o som de tua fala
Ouvir de manso à hora do Sol posto
Quando a Tristeza já do Céu resvala!

Talvez assim o fúnebre desgosto
Que eternamente a alma me avassala
Se transformasse n’um luar de Agosto,
Sonho perene que a Ventura embala.
 
Talvez o riso me voltasse à boca
E se extinguisse essa amargura louca
De tanta dor que a minha vida junca...
 
E, então, os dias de prazer voltassem
E nunca mais os olhos meus chorassem...
Ah! se eu pudesse nunca ver-te, nunca!


NOITES AMADAS
 
Ó noites claras de lua cheia!
Em vosso seio, noites chorosas,
Minh’alma canta como a sereia,
Vive cantando n’um mar de rosas;
 
Noites queridas que Deus prateia
Com a luz dos sonhos das nebulosas,
Ó noites claras de lua cheia,
Como eu vos amo, noites formosas!
 
Vós sois um rio de luz sagrada
Onde, sonhando, passa embalada
Minha Esperança de mágoas nua...
 
Ó noites claras de lua plena
Que encheis a terra de paz serena,
Como eu vos amo, noites de lua!

Macaíba - Agosto de 1898.


CLARISSE
 
“Não sei o que é tristeza,” ela me disse...
E a sua boca virginal sorria:
Ninho de estrelas, concha de ambrosia
Cheia de rosas que do Céu caísse!
 
E eu docemente murmurei: Clarisse,
Será possível que tu’alma fria
Ouvindo o choro da Melancolia
O ressábio do fel nunca sentisse?
 
Será possível que o teu seio, rosa,
Nunca embalasse a lágrima formosa?
Ah! não és rosa, pois não tens espinho!
 
E os olhos teus, dois templos de esperança,
Nunca viram sofrer uma criança,
Nunca viram morrer um passarinho!


SAUDADE
                       
A ela, a Eugênia, a doce criatura que me
                        chama irmã
.
 
Ah! se soubesse quanto sofro e quanto
Longe de ti meu coração padece!
Ah! se soubesses como dói o pranto
Que eternamente de meus olhos desce!
 
Ah! se soubesses!... Não perguntarias
De onde é que vem esta sombria mágoa
Que traz-me o peito cheio de agonias
E os tristes olhos arrasados d’água!
 
Querem que a lira de meus versos cante
Mais esperança e menos amargura,
Que fale em noites de luar errante
E não invoque a pobre noite escura.
 
Mas... como posso eu levar sonhando
A vida inteira n’um anseio infindo,
Se choro mesmo quando estou cantando
Se choro mesmo quando estou sorrindo!
 
Ouve, ó formosa e doce e imaculada,
Visão gentil de eterna fantasia:
Minh’alma é uma saudade desfolhada
De mãe querida sobre a cova fria.
 
Ah! minha mãe! Pois tu não sabes, santa,
Que Ela partiu e me deixou no berço?
Desde esse dia a minha lira canta
Toda a saudade que lhe inspira o verso!
 
Depois que Ela se foi a Mágoa veio
Encher-me o coração de luto e abrolhos.
Eu sofro tanto longe de seu seio,
Eu sofro tanto longe de seus olhos!
 
Ó minha Eugênia! Estrela abençoada
Que iluminas o horror deste deserto...
De teu afeto a chama consagrada
Lança à minh’alma como um pálio aberto.
 
Quando beijares teus filhinhos, pensa
O que seria d’eles sem teus beijos;
E, então, compreenderás a dor imensa,
A amargura cruel destes harpejos!
 
Junta as mãozinhas dos pequenos lírios,
Das criancinhas que tu’alma adora,
E ensina-os a rezar sobre os martírios
E a saudade infinita de quem chora.


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TEXTOS EN ESPAÑOL

TRADUCCIÓN Y NOTA INTRODUCTORIA DE
ADOVALDO FERNANDES SAMPAIO

DE CAMINO PARA EL SERTÓN

¡Tan lejana la casa! Ni alcanzo a verla
Ya a través del bosque. En los caminos
Desciende la sombra; y sin hallar descanso
Vamos nosotros dos, pobre Hermano, tan solos.

Ya es noche. Como en feliz remanso,
Duermen las aves em sus pequeños nidos...
Caminemos despacio, paso a paso,
Para no asustar a los pajarillos.

Brillan las estrellas. Todo el cielo parece
Que reza de rodillas una triste oración,
Por que la noche enseña dolor y desconsuelo...

A los lejos, la Luns viene dorando las tinieblas...
Un inmenso incensario eleva a Dios
El agreste incenso del tomillo en flor.



Extraído de la obra
VOCES FEMENINAS DE LA POESÍA BRASILEÑA
Goiânia: Editora Oriente, s.d.





FONTE; http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/rio_grande_norte/auta_de_souza.html






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